Do meu ego não oceânico*
Por Carla Vitorino Veríssimo
Saltei do barco. Logo ali a areia.
Sim, seria capaz. Sabia nadar. O meu corpo quase nu (quase, porque um biquíni num
corpo inteiro será como uma pequena ilha num oceano. Ainda assim está lá e ocupa espaço), o
meu corpo quase nu, envolto pela massa de água fria e salgada.
Abria e fechava as pernas, puxava a água para trás com as mãos.
Puxar água para trás com as mãos. Como é que se agarra a água?
Nadei. Nadei, mas a areia logo ali tardava em ser solo sob os meus pés.
Não sei se foi no meu jeito desajeitado, se na atrapalhação, se no olhar a sufocar.
Recordo apenas o meu tio, a nadar ao meu lado, para que eu não fosse ao fundo.
Nunca pensei nos peixes abaixo de mim.
Avó Mar e um mapa azul de amor*
Por Carla Vitorino Veríssimo
Mariana olhava o mapa que a Avó Mar lhe havia dado. Tinha uma forma muito irregular,
muito azul, debruado a matizado verde e castanho, como as linhas com que bordava o fim dos
panos. Mariana pegou-o, com fita-cola, à porta do roupeiro e ficava horas a olhar para ele.
Aquilo parecia um ser das profundezas oceânicas. Não se encaixava em qualquer aula de
geometria a que já tivesse assistido. Triângulos, rectângulos, círculos, pentágonos, eram todos
obtusos demais, comparados às bordinhas daquele mapa. Nem os trapos mais esfarrapados do
pai lhe chegavam aos pés. No mapa, o oceano dominava o espaço. Bordadas a matizado
estavam as pouquíssimas terras que, pelos vistos, agigantavam a imensa água que existe na
cabeça de muitas pessoas.
Rápido Mariana percebeu que tinha uma missão: Percorrer aquele mapa bem para lá da
porta do roupeiro e descobrir porque é que a Avó Mar lho havia dado.
Aquilo era um cavalo-marinho engelhado, muito mais do que metade do mundo, um
pulmão azul a pedir socorro, o início ou o futuro.